[Opinião] EuroFlan: Então e os blocos?



As semanas que se sucedem ao Festival Eurovisão da Canção, tradicionalmente, são pouco preenchidas por verdadeiros acontecimentos, mas ricas em declarações, avaliações, interpretações e, sobretudo, análises das votações e resultados obtidos por cada país, à mistura com alegações e acusações relacionadas com o sistema de votação e os sempre polémicos temas da diáspora e do voto tendencioso.

Como é público, este ano a organização do FEC introduziu alterações no sistema de votação, alargando a regra dos 50/50 (júri/televoto) à Final, numa tentativa de diminuir os efeitos perniciosos e injustos de um televoto condicionado pelas comunidades imigrantes e pela solidariedade entre países vizinhos.

Em princípio, a introdução de jurados profissionais, ligados à indústria musical, garantiria uma avaliação mais isenta das canções a concurso e, à partida, a vitória de um país como a Alemanha, que não costuma estar integrado em nenhum dos blocos geopolíticos, seria uma evidência do sucesso desta opção.

Afinal a canção alemã foi a mais votada na generalidade destes blocos (com apenas uma excepção), deixando a concorrência a uma distância confortável, com uma solidez que só poderá ter sido conseguida com o acordo entre jurados e telespectadores.

Mas olhando em pormenor para o quadro de votações e para a tabela de resultados, esta evidência deixa de ser tão clara. Ao agrupar os votos dos países que se incluem tradicionalmente nos vários blocos geopolíticos, fica a sensação amarga de que alguns jurados não actuaram com a isenção e profissionalismo devidos. Vamos a factos.


Ocidente vs. Leste

As fronteiras aqui são claras e não se definem apenas pelas linhas desenhadas nos mapas. Existem padrões de voto tradicionais que dividem o continente europeu em ocidente e oriente. A “cortina de ferro” da Guerra Fria desabou há anos, mas parece manter-se o seu fantasma na Eurovisão.

A oeste da Alemanha (inclusive) não parece haver um padrão claro e os resultados não estão muito longe do desfecho global. Ainda assim, contabilizando apenas os votos destes países, a Bélgica acabaria no 2º lugar, a Grécia subiria ao 4º posto, a França ao 7º, a Irlanda terminaria em 18º, mas os maiores beneficiados seriam a Islândia e Portugal, que escalariam até ao 11º e 12º lugares, respectivamente.

Em sentido oposto, a Turquia desceria 3 lugares, tal como o Azerbaijão, mas o grande descalabro estaria destinado a países como a Geórgia, que cai do 9º para o 16º lugar, a Ucrânia, tombando para a 19ª posição, e a Rússia que ficaria arredada para o 24º lugar, apenas “superada” pela Bielorrússia, ostensivamente ignorada com 0 pontos e a última posição.

Mas em sentido contrário a polarização é ainda mais evidente: embora a Alemanha continue como vencedora destacada, o restante top 10 é dominado pelos países do leste europeu, apenas com a Dinamarca como intrusa, no 8º lugar. A Geórgia é o segundo país mais votado, seguida do Azerbaijão, Turquia, Arménia, Ucrânia e Rússia.

Já a Islândia cairia até ao 24º lugar, imediatamente abaixo de Irlanda e Portugal. A representação da França também não parece ter caído nas boas graças do leste da Europa, tombando 10 posições.


O Bloco Balcânico



O núcleo deste bloco é constituído pelos países da ex-Jugoslávia (Sérvia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Eslovénia, Macedónia), mas atentando aos padrões de voto, podemos incluir, sem grandes hesitações, a Albânia, a Grécia, a Bulgária e a Turquia.

E se restarem dúvidas basta olhar para o resultado do voto destes países. A Alemanha é a vencedora, mas a partir daí os votos ficam todos na região: a Turquia é segunda, seguida da Bósnia, Albânia, Sérvia e Grécia. Fica claro que estes países votam em bloco e, consequentemente, é em bloco que ocupam a tabela final.

Quem não mereceu os favores dos balcânicos foram a Bélgica, com um clamoroso 16º lugar, e a Dinamarca, que tomba para 13º. Mas mais surpreendente é verificar que a suposta ligação entre o bloco balcânico e o bloco ex-soviético cai por terra. Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Moldávia são relegadas para o final da tabela.


O Bloco ex-Soviético



A URSS deixou de existir há anos, mas a ligação umbilical da Ucrânia, Bielorrússia, Moldova, Geórgia, Arménia, Azerbaijão e do mini-bloco do báltico – Estónia, Letónia e Lituânia, - à Grande Mãe Rússia está bem viva.

E neste bloco de países há pouco espaço para apreciações profissionais e isentas. A Alemanha é relegada para o 4º lugar, deixando a primeira posição para a Geórgia, seguida da Rússia e da Ucrânia. Azerbaijão e Arménia ocupam, respectivamente, o 5º e 6º postos. Também a Bielorrússia e a Moldávia são beneficiadas, ascendendo ao 13º e 15º lugares, respectivamente.

A França tem pouco acolhimento entre os satélites russos, descendo para o 17º lugar, ao contrário da Espanha que sobe para 9º. Mas mais relevante é a confirmação da pouca solidariedade entre o bloco ex-soviético e o bloco balcânico: a Turquia cai para 7º, a Grécia para 19º, e o último lugar está reservado, ex-aequo, para a Albânia, a Sérvia e a Bósnia, com eloquentes 0 pontos.


O Bloco Nórdico



Muitos comentadores acusam os países de leste de votação em bloco, o que é evidente, mas parecem esquecer que muito antes da entrada destes países na Eurovisão, estas manifestações de solidariedade entre vizinhos já existiam, descaradamente, entre os países que compõem o bloco nórdicoNoruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia e Islândia. E ao apreciar os padrões de voto não será descabido juntar-lhes a Irlanda e o Reino Unido.

Embora este seja, talvez, o bloco menos evidente e menos pernicioso, não deixa de ser merecedor de algumas considerações.

A Alemanha volta a ser a clara vencedora, mas o 2º lugar passa a ser ocupado pela Dinamarca, relegando a Turquia para a 6ª posição. A Noruega voa do 20º para o 10º lugar, logo seguida da Islândia em 11º. Também a Irlanda sai beneficiada com um 14º posto, e o Reino Unido deixa o último lugar, terminando em 21º.

França e Israel beneficiam da simpatia dos nórdicos, ascendendo até ao 7º e 9º lugares respectivamente. Em sentido contrário, o Azerbaijão desce para o 12º posto, a Arménia para o 21º, deixando o último lugar, sem qualquer ponto, para a Bósnia, a Bielorrússia e a Moldávia.


Finalistas

Para terminar é possível analisar qual seria o resultado se apenas os países que participaram na final tivessem a oportunidade de votar.

As alterações à tabela, neste caso, são pouco significativas, limitando-se a trocas de posição, com pequenas subidas ou descidas.

O país mais beneficiado seria a Grécia, que obteria o 3º lugar, abaixo da Alemanha, em primeiro, e Roménia em 2º. Já a Turquia desceria para a 4ª posição, mas o país que registaria a maior queda seria a Dinamarca, não indo além do 10º lugar.

A última posição continuaria a cargo do Reino Unido, e Portugal manteria o 18º lugar.


E então?

Então as conclusões parecem-me óbvias. Os blocos existem, sempre existiram, e vão continuar a existir. São mais evidentes nos resultados do televoto, mas não são alheios aos ditos jurados profissionais. E estão longe de ser um exclusivo dos países de leste.

A introdução dos júris permitiu atenuar o efeito negativo dos votos da diáspora e entre países vizinhos, mas dificilmente o conseguira eliminar. Até porque este efeito é resultado não apenas de alegadas alianças geopolíticas, mas sobretudo de fortes ligações entre populações que partilham, muitas vezes, afinidades históricas, culturais e linguísticas. Pode não ser justo, mas é compreensível e incontornável.

Mais relevante do que a introdução dos júris foi a fragmentação dos blocos nas duas semi-finais.

Em todo o caso estamos a falar de um concurso de canções entre países. Há inúmeros aspectos a ter em conta na avaliação dos resultados. E se é certo que fica patente que nem todas as classificações são justas, também é verdade que estamos a navegar numa área altamente subjectiva. E os gostos discutem-se, claro que sim.

O facto é que, no somatório final, ganhou a canção, a intérprete, a apresentação, que mais se aproximou dos gostos musicais dos europeus, profissionais da industria musical ou simples telespectadores, que os estimulou a participar e a votar. Ganhou o país que, através da música, se conseguiu sobrepor a blocos, nacionalismos e diásporas. Parabéns à Alemanha.

3 comentários:

  1. Mto boa análise! Mas se fizermos essa observação, nem q seja superficial, desde q foi introduzido o televoto, percebemos q o vencedor acaba sempre por ser o mesmo... o resto são "peanuts" para a EBU e para aquilo q os segundos, terceiros, e por aí adiante conseguem usufruir fora de portas em termos de carreira. Se para o vencedor ganhar o ESC ñ significa, na sua maioria, uma carreira internacional promissora, qto +prós q ficam abaixo.

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  2. Muito Boa análise! parabéns!

    OFF TOPIC!

    A administração do ESCPortugal podia por favor activar a minha conta no Fórum? Já a fiz à séculos mas continuo sem que alguém a active! Façam-me esse favor ;)

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  3. "Os blocos existem, sempre existiram, e vão continuar a existir."
    É a realidade mas acho que as coisas andam melhorzinhas...achei os votos mto dispersos este ano e se continuar assim...para mim os vencedores até têm sido também mto....um aqui outro ali...bastante variados e espalhados pela europa...embora prontos acha sempre o favorito que parece ser num país diferente todos os anos bem longe do anterior xD

    Acabar definitivamente com o problema ñ dá...a ñ ser que proibissem mesmo os países de votar nos vizinhos mas seria complicado de executar essa regra se calhar...ñ poderem votar nos 2ou3 mais próximos....

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