[OPINIÃO] A bolha

Eurovisão. Festival da Canção. No mundo real a menção destas palavras em voz alta, perante diversas pessoas, tem como resposta mais comum um franzir de sobrolho, às vezes um sorriso de troça ou um esgar de incredulidade. Mas não na bolha!

A bolha é uma entidade não oficial, uma espécie de seita desorganizada, composta por alguns indivíduos que, no interior da bolha, são conhecidos como eurofans e fora da bolha são conhecidos por… bem, por ninguém excepto a família e os amigos mais próximos.

A bolha podia ser uma realidade alternativa ou uma dimensão paralela, mas na verdade é apenas um mundo pequenino, com muros altos e vistas curtas. E há uma polícia da opinião alheia para lidar com aqueles que ousam pensar ou olhar para fora da bolha. Dentro da bolha pratica-se uma religião singular, onde os sacerdotes, através da sua página na internet, divulgam os mandamentos divinos e guiam o fiel rebanho nas romarias e celebrações que compõem o calendário oficial.

Dentro da bolha o Festival da Canção luso (FC) é um exemplo de dinamismo e modernidade, “um excelente entretenimento com ótimas canções a concurso”. Na realidade o FC2015 foram os 15 minutos do intervalo da telenovela da SIC ou do Masterchef, um desfile de canções que nunca serão gravadas, editadas, comercializadas ou sequer interpretadas novamente, exceptuando nas festas dos eurofãs.

Na bolha, alguns dos artistas do FC são “grandes nomes do firmamento artístico português”; a realidade é que, independentemente do talento destes cantores, eles são ilustres desconhecidos para a esmagadora maioria dos portugueses.

Na bolha, os doze compositores escolhidos pela RTP revelam 'uma aposta nos profissionais que ainda não desistiram de escrever num país que tão maltrata os profissionais da música'. Na realidade eles foram as segundas, terceiras e quartas escolhas. Foram os poucos que não recusaram o convite. Na realidade é a RTP, a emissora estatal, com especial responsabilidade ao nível do serviço público, a primeira a limitar as oportunidades que os artistas nacionais têm para mostrar o seu trabalho, preferindo concorrer com os privados no terreno dos concursos, reality shows e festas de aldeia.

Na realidade é a RTP a primeira responsável pela irrelevância e pelo descrédito associados ao Festival, em resultado de opções eticamente duvidosas, processos pouco transparentes e incentivo ao ridículo.

Na realidade, nenhum profissional estabelecido se sujeitará à sucessão de trapalhadas amadoras em que se tornou o Festival. Mas na bolha faz-se gala de apoiar tudo incondicionalmente, porque sim, porque Portugal é o maior, mesmo que não seja, mesmo que seja sempre medíocre, um fracasso, uma fraude, mesmo que o rei vá nu. Na realidade existe um mercado musical e discográfico, - débil, é certo, mas que ainda mexe – onde existe diversidade, criatividade e originalidade. Onde os artistas são reconhecidos pelo público. Onde vendem discos e dão concertos, em todo o país e no estrangeiro. Onde os intérpretes têm experiência, estão preparados para lidar com a crítica e não choram perante uma assistência de dezenas de milhares de espectadores. Onde aquilo que cantam e contam chega ao público, às pessoas, e não é alvo de chacota.

Na bolha a canção de Miguel Gameiro “transporta-nos para os sons dos Amor Electro”. Na realidade as imitações deveriam ficar limitadas ao Chuva de Estrelas ou aos genéricos das telenovelas.

Na realidade há um mar que separa a música que as pessoas ditas normais consomem daquilo que compõe a playlist oficial e aprovada pelos sacerdotes da bolha. Na realidade a criatividade e a originalidade são aplaudidas, mas na bolha levam o rótulo de "não apropriadas”, como se a expressão artística tivesse que sujeitar-se à censura prévia.

Na bolha nada disto é interessante ou digno de reflexão. Na bolha quem recusar o veredicto dos sacerdotes é um herege e não deveria ser autorizado a conviver com a elite dos eurofans. Na bolha aqueles que se atrevem a utilizar os mesmos critérios de avaliação e espírito critico com que vivem na realidade são “maldizentes de plantão”. Os que pensam fora da bolha são certamente uns ressabiados e uns “pobres coitados” e as suas opiniões têm obviamente uma intenção oculta e sempre destrutiva.

Na bolha elogia-se sempre o trabalho da RTP, a originalidade dos compositores, a genialidade dos autores, o virtuosismo dos cantores e até o profissionalismo dos apresentadores. Alguém que tivesse o mesmo tipo de raciocínio maniqueísta que impera dentro da bolha poderia dizer que é por cobardia, por medo que não os deixe assistir aos ensaios, que não tenham acesso a bilhetes, que não validem as presenças fictícias nos eventos da imprensa, que a cantora não lhes dê um autógrafo ou uma entrevista, que os outros meninos os ponham de lado no próximo jantar com karaoke temático.

Ou porque vivem há demasiado tempo – décadas, em alguns casos, - dentro da bolha, estabeleceram relações pessoais com os responsáveis e os intervenientes, e perderam toda e qualquer capacidade de distanciamento e objetividade.

Eu prefiro pensar que simplesmente não há ligação entre a bolha e a realidade. Na bolha o ar estagnado provoca delírios cor-de-rosa, tudo parece mais bonito e brilhante do que na realidade. A bolha dá-nos a sensação de sermos alguém.

O problema das bolhas como esta é que, à semelhança das drogas, pode levar a um caminho sem retorno que começa pela ilusão e alheamento, passando pela decadência, e acaba na total insignificância e no desaparecimento.

(Nota do autor: Este é um artigo de opinião e, como tal, vincula apenas o autor do texto, não sendo representativo de qualquer posição ou opinião subscrita pelo ESC Portugal ou qualquer um dos seus editores.)

Por: Pedro Correia






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Fonte: ARTIGO DE OPINIÃO DE PEDRO CORREIA /  Imagem:GOOGLE

13 comentários:

  1. Excelente artigo pedro Correia. Nunca na vida diria melhor.

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  2. Gostava de conhecer pessoalmente o pedro correia e dar-lhe um beijo. Disse o que eu penso ha anos

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  3. Parabéns Pedro Correia. Subscrevo a 100%, eu próprio não diria tanto, nem melhor.

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  4. Epá... É isto! É que é isto tudo! (h) (h) (h)
    VS

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  5. Excelente artigo pedro Correia. Gostava de te conhecer pessoalmente e dar-lhe um abraço. Disseste o que eu penso ha anos. Nunca na vida direi melhor.

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  6. Bolho Bolhão, Mayor da Bolha3 de junho de 2015 às 22:45

    Sr. Correia: gostava de o convidar a vir experimentar a bolha, verá que quando estiver aqui dentro as coisas não são tão más.

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  7. Ó Sr Pedro Correia, eu estou tão contente, mas tão contente que quero explodir de alegria! Disse exactamente o que eu penso e sinto em relação ao Festival a Canção, etc. Muitas vezes comentei nas mesmas linhas aqui sobre o assunto... Algumas vezes, até, critiquei construtivamente alguns dos intervenientes do Festival, e fui censurado... Por isso vejo com agrado que decidiram publicar a sua opinião neste Website!!!!!!!!!! Parabéns! Infelizmente, não sei se será o suficiente para rebentar de vez com a Bolha... Espero que sim.

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  8. Também quero dar um abraço no Pedro Correia! Excelente artigo de opinião!

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  9. Brilhante artigo. Só adicionaria o seguinte a esta parte sobre os compositores convidados:

    "Na realidade eles foram as segundas, terceiras e quartas escolhas. Foram os poucos que não recusaram o convite."

    Um facto curioso é que o DJ Mastik Soul, um DJ português com fama internacional, ofereceu-se para compor uma música para Portugal representar na Eurovisão. Disse isto em público, mas a RTP nunca o convidou! Mas convidou a malta do costume que faz músicas do tempo da outra senhora e que só dão vontade de dormir (ou fugir a sete pés!).

    A "bolha" realmente existe e a surdez da RTP é um caso de senilidade grave...

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    1. Quem é que te garante que a RTP não a convidou e ele nao aceitou as condições?

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  10. Um artigo um tanto ou quanto insignificante.... não serve para nada ao não ser dar bicadas em pretensos rivais e alimentar as quezílias antigas entre os eurofãs portugueses.

    Reflexão sobre o festival e o ESC foi ZERO! Daqui não se extrai nenhuma conclusão. Fala-se de forma cobarde.... do género "atira pedras, mas ao fim mete a mão no bolso e assobia para o lado". Fala das pessoas mas não cita os nomes.... isso para mim é cobardia.

    Este tipo de opiniões são dispensáveis, não valorizam em nada o FC, o ESC, os eurofãs nacionais e o próprio ESC Portugal.

    Obviamente o FC/ESC em Portugal está mal, merece reflexão (construtiva e focada no essencial), muitas coisas estão mal ou muito mal, algumas (poucas) estarão bem. Portugal é um "patinho feio" eurovisão, mas tem potencial para ser um "cisne".

    A história do Mastiksoul já enjoa. Quem tem a certeza que ele não foi convidado? Porque razão seria ele o salvador da pátria (não é um DJ assim tão sonante e nem tem uma qualidade musical inquestionável)?

    Concordo com o argumento de que não se devem convidar sempre os mesmos compositores. Mas afirmo também: não é solução convidar "os mesmos" que este ano por acaso não foram convidados.

    O FC ou deve morrer de vez ou impulsionar a sério. Ou é festival a sério e participam os melhores artistas nacionais, com investimento e melhor espetáculo, ou acaba-se com ele de vez. Como está... parece doente de cuidados paliativos. Para ficar como está, seleção interna é mais eficaz.... não se perde tempo nem dinheiro.

    Nomes como Catarina Pereira, Rui Andrade, Carlos Costa e afins deviam estar riscados dos potenciais representantes. Seriam bons coristas.... o papel principal deve ser para os artistas profissionais.

    Artistas e compositores devem ter liberdade criativa.... línguas, estilos e temas totalmente livres

    Por fim, a delegação portuguesa precisa de um líder forte e corajoso, que coloque a seletiva nacional na ordem, que tome decisões sem medo, que expulse os "encostados" e atraia os verdadeiros talentos, que promova a Eurovisão junto dos artistas nacionais, que coloque todos os eurofãs no seu devido lugar.

    Mas ninguém fará isso se a própria RTP (Empresa) não assumir uma posição. Nem a Carla nem outra pessoa qualquer pode ser essa pessoa se não tiver o apoio e a concordância da empresa por detrás. O presidente de delegação é apenas um funcionário que faz aquilo que a empresa manda.

    Primeiro a RTP precisa de dizer: o que pretende com a participação na eurovisão?; são estas as pessoas certas?; é este o melhor método?, o que tem falhado?; vale a pena investir e continuar?; temos possibilidade e interesse em melhorar?

    Se a RTP responder claramente a estas questões.... tudo o resto será fácil.

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    1. Caríssimo comentador,

      Este artigo não é sobre pessoas, é sobre grupos fechados, organizações co-dependentes, parasitárias até, e os seus comportamentos. Não me interessam polémicas personalizadas.

      Também não faço parte de nenhuma organização ou grupo, conheço pessoalmente apenas meia dúzia dos ditos eurofãs, e muito superficialmente, pelo que a tentativa de desvalorizar o que escrevi como "bicadas em pretensos rivais e alimentar as quezílias antigas" falha completamente o alvo.

      Reflexões sobre as opções e métodos da RTP, sobre cantores e compositores, sobre objectivos e investimentos já foram escritas muitas e, se tiver paciência, de certeza que vão aparecer mais. Não é esse, intencionalmente, o tema deste texto. Tenho a firme convicção que os fãs, organizados ou não, são um elemento fundamental do FdC e do ESC, um dos pilares da organização.

      Escreve o caríssimo comentador que a "Reflexão sobre o festival e o ESC foi ZERO!" e no entanto conseguiu ir buscar alguns dos meus pontos para sustentar a sua própria reflexão. Acho que afinal não mereço os null points.

      Posso dizer-lhe que, em termos gerais, até partilho a maior parte das suas opiniões. Relativamente aos pontos em que discordo não sinto qualquer necessidade de desvalorizá-los, de classificá-los como "insignificantes".

      "Opiniões dispensáveis"! As palavras são suas, caríssimo comentador, e são, para mim um cartão de visita muito esclarecedor. Não sei se é uma convicção ou se foi um lapso, mas olhe, vou contar-lhe um segredo: este texto é dirigido exactamente a grupos que acham que existem"opiniões dispensáveis".

      Pela minha parte as suas opiniões são muito bem-vindas. Aliás até acho que, se tivesse utilizado os minutos, que perdeu a tentar desvalorizar as minhas opiniões, a desenvolver e sustentar os argumentos que defendeu aqui, tinha conseguido um excelente texto de opinião digno de ser publicado.

      Saudações eurovisivas

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  11. Gostei do texto original do Pedro Correia, em tom mordaz e bem escrito, com observações bastante prementes (aponta os problemas actuais sem personalizá-los, algo que é desnecessário, na minha óptica). Mas, confesso, também apreciei alguns dos comentários deste "Anónimo" e a inteligente troca de argumentos que proporcionou. Da discussão nasce a luz...

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